Sim, José e Maria vieram de Nazaré e entraram na cidade de Belém para que aí pudesse nascer Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado. Porém, não houve para eles lugar nas casas da cidade e por isso foram abrigar-se nas redondezas, no campo dos pastores e numa gruta de animais. Foi assim, numa manjedoura, que Jesus nasceu; portanto, fora da cidade e do aconchego dos lares. Também nós estamos, hoje, numa sociedade onde parece não haver lugar para Deus. Tem muito que fazer, o desemprego para combater, o rendimento social de inserção para garantir, a educação e a saúde para organizar, a Justiça para fazer funcionar e mil outras coisas.
Uma sociedade assim diz-nos que temos de trabalhar para ganhar a batalha do desenvolvimento, mas sem nos explicar de que desenvolvimento se trata. Esquece-se de que o verdadeiro desenvolvimento, único capaz de satisfazer as pessoas, é o desenvolvimento integral, de que faz parte a dimensão daquilo que não se pode medir, não se pode comprar nem vender, sendo a pura gratuidade do dom, do qual o Presépio de Belém é a expressão mais acabada no coração da história humana. Esquece-se de que o coração humano grita sempre pela dimensão do eterno, pela relação que permanece, na voracidade do tempo que passa. Os grandes mentores do estilo de vida que nos é proposto e muitas vezes imposto não têm resposta para as grandes interrogações que preocupam o ser humano, como são as relacionadas com o sofrimento e com a morte. E porque não sabem responder, esquecem-nas, escondem-nas, vivem e querem fazer-nos viver como se elas não existissem. Confrontados, como todos nós, com a grave crise que continuamos a atravessar, não querem perceber que ela é mais do que económica e financeira; é crise de civilização e essencialmente uma crise dos valores necessários para dar verdadeiro sentido à nossa vida pessoal e comunitária. E como se isto não bastasse, apelidam de retrógrados, saudosistas do passado e de costas voltadas para o futuro quantos continuam a defender a dignidade e os direitos da instituição familiar e a verdadeira natureza do casamento; quantos defendem que não pode haver educação sem projecto educativo e que não é ao Estado, mas às famílias, que compete definir esse projecto educativo; quantos insistem em lembrar que a vida humana é o valor dos valores, desde o primeiro momento da sua concepção até à morte natural e outros.
E porque a presença de Deus na cidade incomoda os que querem organizar a vida social à sua medida e à margem destes e de outros valores fundamentais, assistimos diariamente à estratégia concertada de O empurrar para as periferias da cultura, remetendo-O, quando muito, para as consciências individuais ou, pior ainda, querendo culpabilizá-lo por todos os males e atropelos que as pessoas e a sociedade diariamente produzem. Por sua vez, todos os símbolos que possam lembrar a presença de Deus na cidade, mesmo aqueles que, de facto, fazem parte integrante da nossa tradição cultural de povo multissecular, procuram arredá-los, o mais possível, da praça pública. E, a esse propósito, estamos para ver o que vai acontecer em mais este Natal. Esperarmos que o quadro do Presépio de Belém, com o Menino Jesus, acompanhado de Maria e de José, o mais importante sinal identificativo da quadra natalícia, não fiquem fora da profusão de luzes e de cores com que as ruas estão a ser mais uma vez engalanadas.
Não tenhamos medo nem do Presépio nem do Menino Jesus, o Deus feito criança para nos salvar. Ele vem para nos ajudar a superar a crise das crises, que é a falta de amor e fraternidade na vida das pessoas. Que este Natal seja para todos nós o abrir as portas de par em par à vinda de Deus que só deseja recolocar as nossas vidas no projecto da esperança que o Presépio de Belém manifesta.
Guarda, Paço Episcopal, 17 de Dezembro de 2009
+Manuel R. Felício, B. da Guarda